24 abril 2006

Liberdades Medievais

Na minha ingenuidade inicial quis acreditar que a web fornecia, finalmente, a plataforma perfeita para uma cidadania completa a quem estivesse interessado. As páginas de textos de opinião (blogs) ou de puro desvario eram simples de conceber e permitiam a interactividade com os leitores através das respectivas caixas de comentários. Havia um meio de comunicar com pessoas de elevado interesse intelectual ou outro sem a intermediação de nenhum filtro.

Com base neste pressuposto, comecei por frequentar os blogs de terceiros e perceber quais os tipos de textos que se publicavam e o tipo de comentários que se viam.

Todos os bloggers contactados começaram por dizer que o faziam pelo puro prazer da escrita, pelo inefável prazer da comunicação sem fronteiras, era o verbo que os unia.

Passados as primeiras opiniões cheias de bondade e de boas intenções vinha a preocupação do número de leitores e o impacto que os textos têm nos mesmos.

Começo então a aperceber-me que todos eles sabem o número de “leitores”, portanto a sua tiragem, bem como o respectivo perfil dos mesmos e mesmo em alguns casos conhecem os leitores pessoalmente. Têm o seu marketing perfeitamente claro e começam a fazer a triagem dos textos que publicam e mais importante que isso, a triagem dos comentários que lhes fazem. Chego então a conclusões curiosas e perfeitamente pessoais, sem qualquer pretensão, estudo ou análise estatística.

Existem os blogs “de opinião”, são sem dúvida os mais variados, pois podem ir desde a opinião política, económica, artística, passando pelos vários fait divers que animam o burgo ou a cena internacional. Serão os mais ecléticos e susceptíveis de gerar controvérsia pois nele se enquadram os jornalistas, políticos e escritores em actividade bem como potenciais ou retirados que ainda têm ou gostariam de ter audiência.

Os blogs confessionais são muito variados e podem ir desde os textos amorosos bem como as neuras ou alegrias do autor no momento. Os seus textos são de qualidade bastante variada e depende muito da empatia que se gera com o autor.

Os blogs de cariz erótico são uma “espécie” à parte pelo tipo de textos e de expectativas que se criam. Geralmente o assunto esgota-se rapidamente e são bastante previsíveis mas têm o seu público fiel.

Até aqui não disse nada que não saibam mas é sobre os primeiros que gostava de me debruçar.

Estes são, na realidade, aqueles que geram polémica, amores e desamores e são gerados pelos pretensos opinion makers da blogosfera e foi assim que percebi que também nela existem classes comparáveis à ordem social Medieval.

Temos então a Nobreza, são os bloggers que têm acesso à imprensa e, portanto, uma projecção mediática que faz deles pretensas referencias de opinião. Nesta classe estão políticos, jornalistas e afins. É uma classe que tem privilégios próprios, inibem a caixa de comentários, só recebem mails, fazem questão de só responder àqueles que lhes são convenientes. Consideram todos os demais bloggers anónimos uns párias do sistema e dão-se ao luxo de escrever artigos jornalísticos a insultar quem tem a ousadia de os contrariar. Os anónimos para eles são um incómodo, são um pouco como os líderes clandestinos de antes da revolução, não têm rosto e eventualmente podem dizer verdades incómodas. Por vontade da nobreza estes seres não deviam ter direitos e nunca poderiam fazer comentários. No caso de os fazerem e desde que não concordantes com a opinião dos Nobres deviam vir sempre identificados (Nome, BI, Nº Contribuinte, Morada e Telefone) por forma a saberem quem são os potenciais inimigos e serem tomadas as devidas providencias. A PIDE pensava o mesmo.

A nobreza rodeia-se dos amigos e cria uma corte. Tal como na Nobreza, os apelidos são factores distintivos. Convém usar um nome com pedigree mesmo que o mesmo seja de uma avó ou tia em segundo grau. O trabalho propriamente dito deve ser de índole intelectual e o dinheiro nunca deve ser óbice à sua actividade, afinal eles são Nobres.

Temos o Clero, são bloggers aparentemente sem vinculo opinativo, são seres acima de qualquer suspeita. Claro que só podem chegar a esta classe os membros devidamente aprovados pela Nobreza. Na realidade são seres anódinos que contribuem para o ar aparentemente liberal da sociedade e dão o devido tom local e folclórico ao ambiente. Têm uma enorme vontade de pertencer à nobreza, mas são como os segundos filhos, preservam os tiques dos Morgados e estão sempre à espera que estes morram. Podem até comentar a Nobreza, desde que em aspectos menores e desde que previamente creditados pela mesma. Dada a sua posição aparentemente independente podem criar Indexes de blogs proscritos. Convém a Nobreza ter alguém que faça o trabalho menor por eles. Os critérios desde Index será sempre mais ou menos aleatório desde que cumpra o desiderato de afastar os incómodos da Nobreza.

Aqui a qualidade dos textos ou das opiniões é secundária desde que sejam suficientemente vernáculos e agressivos para afastar qualquer tentativa de golpe de Estado. Este é um patamar cheio de pessoas desejosas de livrar a sua alma do purgatório pelo que vendem a mesma com um objectivo, chegarem a Nobres. O seu trabalho real é uma coisa vaga entre o funcionalismo público, professores incluídos e o consultor de qualquer coisa. Têm acesso a imensa informação, tal como o clero tinha, mas importante mesmo é a sua enorme disponibilidade para “pensar” em teorizar e sustentar a ordem estabelecida. Não interessa serem vistos, convém ser discreto e fazer o trabalho na penumbra.

Finalmente temos a plebe, a estes é suposto inibir qualquer comentário que não seja um Amén a todos as classes acima mencionadas. Devem ter a sua via dolorosa e só alguns, os eleitos, poderão ascender a subir de classe social, por forma a poderem ter a honra e o privilegio de comentar sem serem enxovalhados em público ou nas caixas de comentários das classes acima mencionadas.

Toda esta estrutura social é extremamente rígida e as suas regras, não escritas, impostas pela nobreza, ainda que possam ser pensadas e elaboradas pelo Clero. Convém haver bastante arbitrariedade e falta de rigor nas regras para estas se irem adaptando às circunstâncias desde que em beneficio da mesmas classes.

Tudo isto para concluir que, como todos os meios criados até agora pelo homem, este cria as suas próprias regras de segregação baseadas em equilíbrios de poder que beneficiem os detentores do aparelho produtivo ou do capital, neste caso, o acesso aos meios de informação públicos gerando correntes de opinião sobre factos importantes ou não que modelem e direccionem o pensamento da massa.

Temos então pessoas que ingenuamente entraram neste carrocel e saíram enxovalhadas sem terem sequer o direito ao contraditório e uma série de “padres” a dar o respectivo aval ao enxovalho.

Esta classificação não pretende ser exaustiva e não inclui todos os bloggers, existem uns quantos resistentes na antiga Gália que só temem que o céu lhes caia sobre a cabeça. Por Toutatis!!!!

12 abril 2006

The fight for love and glory

A natureza, ou Deus, fez com que existissem dois sexos de características diferentes. Por razões evolutivas, foi inicialmente o predomínio da força física, o factor de poder. Aliado a este factor, havia a maternidade que era preciso preservar como factor de continuidade da espécie.

A história e a sua dialéctica fez com que houvessem sucessivos confrontos, de tribos inicialmente, religiões, reinos, classes sociais, classes económicas, ideologias...enfim as mais variadas, mas sempre apontando no sentido de uma maior evolução da qualidade de vida.

Houve, no entanto, um conflito que, pela sua natureza transversal, sempre se manteve, eu não chamaria conflito, mas antes tensão, a diferente posição que os sexos foram assumindo socialmente e a sua importância relativa. Dada a nossa tradição Ocidental Judaico-Cristã há a tentação de subalternizar ou esquecer a posição das mulheres no seu contexto social e histórico. No entanto, parece-me que a história está repleta de exemplos da sua importância não só individual, como colectiva. Cleopatra, além de ter um belo nariz, manteve a unidade territorial do antigo Egipto, Joana D’Arc uniu o espírito de uma França desacreditada e expulsou os Ingleses, Catarina da Rússia introduziu o Iluminismo no país e, mais recentemente, a Alemanha, o Chile e a Libéria elegeram mulheres para dirigirem os respectivos países. Não faltam exemplos em outros campos, pelo que seria exaustivo e cheio de falhas a sua memória. Do ponto de vista colectivo, mais que exemplos, temos o facto de existirem desde sempre relatos que enaltecem o seu relevo no aspecto social e mesmo sexual. Lembro-me das Cantigas de Amor ou de Bocaccio no seu Decameron onde eram descritos os pecadilhos da época em plano de igualdade masculino/feminino.

Dadas as condições mediáticas que foram criadas no século passado, foi ganhando peso uma posição feminista reclamando peso e igualdade de oportunidade social. Nada que já não tenhamos assistido noutras circunstâncias, noutros contextos, estou a lembrar-me dos Sindicatos ou mesmo dos Partidos Políticos, acho correcto e positivo.
O que me parece diferente é o facto deste fundamentalismo ser extensivo não só às relações sociais, político-económicas, mas também às relações amorosas e aí verifico uma enorme ambivalência.

Se, por um lado, as mulheres querem ser “vítimas” do cavalheirismo e etiqueta cortesã, por outro, reclamam a igualdade de tratamento e como o mesmo as inferioriza. Reclamam leis que as “protegem” quando a assunção dessas leis é o reconhecimento da sua menoridade. Têm a enorme capacidade de ser óptimas donas de casa, mães, profissionais, estudantes, e depois reclamam que escolheram ser mães e ficaram a ver homens de qualidade inferior passar-lhes à frente. Quando optam pela profissão reclamam que não foram mães. Será que os homens não fizeram essas mesmas opções? Ser um óptimo profissional não equivale a ser um péssimo pai e vice-versa? OK, vão dizer que as condições à partida eram desiguais, pelo que esta questão não se pôs aos homens.

O meu ponto de vista, e isto sim, é preciso alterar, é a posição de partida de ambos os sexos e nivelar a igualdade de oportunidades em cada patamar da carreira escolhida. A partir daqui devemos ser capazes de encarar que, infelizmente, teremos que tomar opções e ser bons em alguma coisa. O que é preciso é saber reconhecer as diferenças e entre os sexos e potenciar o que cada uma delas tem de positivo.

Será sempre o velho dilema, as relações homem mulher e as suas enormes nuances e oportunidades. Todos precisamos de Homens e Mulheres fortes, cada um do seu jeito, mais importante que o género é a capacidade de nos sentirmos bem e sermos felizes, sendo pais, profissionais, políticos, artistas...o que mais nos inquietar.

07 abril 2006

Só de sacanagem - Ana Carolina

Dada a tranquilidade do poema pode desinquietar.


05 abril 2006

A Geração Copy Paste

Vou cometer um crime de lesa Majestade, não fosse eu um monarco-anarca, vou criticar a cultura Internet. Hoje tive a minha primeira experiência de cultura Copy Paste. Cedi a utilização do meu acesso à Internet a uma jovem estudante da Faculdade ou curso Politécnico para que ela pudesse fazer um trabalho sobre o Parque Natural da Peneda Gerês.

Ela chega a minha casa e tudo o que traz são três disketes e uma pequena pasta A4 com meia dúzia de folhas. Livros, cadernos de apontamentos, estojo com canetas ...népias.

Sentamo-nos e eu, ingenuamente, começo a entrar num apontador, escolhi o SAPO por ser nacional, primeiro erro.
- Não usa o Google ?
- Ok, Ok, vamos usar o Google.

Descobrimos os sites que interessavam e rapidamente ela começa a fazer Copy Paste das fotos e de partes dos textos. Segundo erro:
- Não convém ler o texto para saber o que lá está?
- Sim, sim, depois “componho” o texto.

O trabalho era extenso, descrever os monumentos e fazer um roteiro do Parque. Retiro-me da sala, verificada a enorme rapidez com que ela fazia o dito Copy Paste.

Uma hora depois aparece-me na frente. Fiquei impressionado. O trabalho estaria feito?
Terceiro erro:
- Acabou o trabalho?
- Acabo o resto depois, é só compor o texto no PC lá de casa.

Estou abismado, um trabalho de pesquisa que deveria pôr em contacto o aluno e o objecto de estudo foi feito a centenas de quilómetros do mesmo. O trabalho de recolha e compilação da informação foi feito em sucessivos Copies Pastes.

Não creio que alguém consiga reter metade da informação obtida desta forma. O esforço para escrever um texto minimamente original terá sido zero, portanto, as capacidades de expressão em Português nem sequer foram postas à prova. Acredito que o amor e o carinho pelo referido Parque será tão grande quanto se o trabalho fosse sobre as migrações de minhocas na Meia Praia.

Imagino a quantidade de alunos que fizeram o mesmo trabalho baseado nas mesmas “fontes”. As capacidades de trabalho em equipa foram reduzidas à sua expressão mínima, um teclado e um aluno.

Fico abismado, quando a grande evolução da educação em Portugal, passa pela colocação de um PC em cada sala de aulas, será que é para facilitar o Copy Paste? Será mais uma daquelas métricas fantásticas da CE que nos fazem subir nos rankings Europeus? Onde ficou aquele processo de maturação e assimilação do conhecimento?

Há um ano atrás, assisti a uma conferencia sobre Educação dada por um professor universitário, não era um pedagogo, era um pai preocupado e atento que tinha a experiência de quatro filhos e algumas centenas de alunos todos os anos. As conclusões foram curiosas. Os novos meios de informação não aumentam a assimilação da mesma, estou a falar da Internet e da Televisão. Antes tornam os alunos em meros espectadores ávidos de novidades, mas completamente isentos de opinião. As opiniões são as transmitidas pelo respectivo programa ou site consultado, chave na mão. O trabalho de ler um livro é substituído pela consulta de um qualquer resumo na Internet. A ida a uma biblioteca com o respectivo trabalho de pesquisa e cópia dos dados necessários para a elaboração do trabalho, uma afronta e considerada uma perda de tempo. Mesmo os considerados canais “educativos” dada a sua óbvia necessidade de meios financeiros, somente passam programas que atraiam espectadores, pelo que passam sistematicamente a tripla de sucesso, vulcão, tubarão e furacão.

Aquando da implementação da TV por cabo em Portugal, o grande argumento para a sua aquisição seria a variedade de programas que seriam disponibilizados. Errado, está provado na casa de todos nós que o que acontece é que cada um escolhe o seu tipo de programa favorito e passa todo o seu tempo disponível a ver mais do mesmo. O caso paradigmático será o canal SportTV.

Eu sei que este tema não é novidade para ninguém, mas não será esta uma causa endémica para o nosso gradual desfasamento da Cultura e da Política? Somos mais espectadores e menos intervenientes, somos mais passivos e menos activos. Estamos a criar gerações de espectadores com menos opinião e menos capazes de lutar pelas mesmas, somos ao fim ao cabo, menos Cidadãos.
eXTReMe Tracker