20 junho 2006

Poder Local


Sempre entendi o poder local como uma das “conquistas” pós 1974. Constatei numa conversa com dois conhecidos, por experiência pessoal e por algumas outras histórias que li na imprensa que se tornou num dos elefantes brancos da nossa Republica.

A conversa começou pelas obras que um dos interlocutores pretendia fazer em casa.
O meu conhecido começou então a contar o rosário de peripécias que passou para a aprovação das mesmas.
Tudo começou com a construção da casa, isto foi à uns vinte anos. Pelo que parece a casa está construída em área de Reserva Agrícola Nacional (RAN) de acordo com o Plano Director Municipal (PDM) aprovado em 1999. Foi um dos últimos PDM a ser aprovados por força dos vários interesses que se moveram para a elaboração do dito.

Conforme a legislação, foi pedido o licenciamento da obra e aqui começa o calvário. O arquitecto camarário recusa o licenciamento, pois estaria a “violar” a RAN. O curioso da situação é que as obras consistiam na remodelação da cozinha e a demolição de uns galinheiros domésticos. Uma situação não altera a volumetria da casa actual e a outra ia reduzir a área construída. O meu conhecido concluiu que não poderá fazer nenhuma alterações à casa sob o risco de estar a ofender a poderosa RAN.

Outro conhecido contou as suas aventuras com a Câmara. Empresário empreendedor e cumpridor pretendia construir mais uma unidade de produção numa propriedade sua. Faz todo uma série de estudos de impacto ambiental requeridos, planos de viabilidade económica, aprovações dos projectos junto do Ministério da Agricultura, tudo aprovado. Detalhe, o mesmo arquitecto acha que a RAN estaria a ser agredida, portanto e contrariando o parecer do Ministério embarga a obra. O empresário não se resigna, até porque já estaria a negociar o escoamento da produção e tinha já contratos apalavrados. Recorre ao Ministério e à aprovação prévia do projecto para ousar contrariar o dito arquitecto. Conseguiu a aprovação do projecto e a construção requerida, demorou um ano neste processo.

A minha experiência pessoal não é muito melhor, adquiri uma casa com um projecto de construção já aprovado. Tudo parecia perfeito, não fosse o caso de uma das janelas da casa, em plena construção, se constatar que estaria no meio de umas escadas. Tive que fazer um pedido de alteração do projecto. O arquitecto que aprovou a obra não verificou isso antes?

Tudo isto me lembra uma notícia na imprensa onde alguém fez uma janela num apartamento para ter vista para o rio Tejo sem o devido licenciamento. Dadas as dificuldades para a aprovação destes projectos a pessoa pede autorização para “tapar” a janela. Claro está que teve esse pedido indeferido com uma longa lista de motivos. Com base nessa recusa teve a aprovação para a dita janela que de outro modo levaria anos a conseguir.

Afinal quem beneficia com este Poder Local ?

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ora bem por onde começar.
Bem talvez por dizer o que é a RAN. A RAN toda poderosa não é mais do que a Reserva Agricola Nacional, o que para alguns é um bicho de 7 cabeças, mas que poderemos dizer em 3 palavras como algo de muito importante tendo em vista não só a produção agricola (naturalmente) mas também e à semelhança da REN (Reserva Ecologica Nacional que permite a proteção de especies vegetais e não só) a protecção de solos altamente produtivos e/ou com forte permeabilização. Isto ganha uma dimensão de relevância quando pensamos que as boas práticas de protecção destes solos permitem uma despoluição dos lençoies friaticos, para além de impedir a acomulação de águas de chuvas em zonas baixas e a consequente existência de cheias. Isto só pela rama.

No problema demonstrado é referido que a casa objecto de alteração teria cerca de 20 anos, ou seja aconteceria uma de 2 coisas. Ou a casa era clandestina (construída sem o respectivo licenciamento camarário obrigatório à data) ou tendo licenciamento, o arquitecto camarário teria uma parecer facilmente refutável, pois a Carta que fixa a RAN é posterior não se aplicando pois à construção , não se verificando pois a base de sustentação para o indeferimento por inexistir retro-aplicabilidade das condicionantes emergentes do regime da RAN! A remodelação da cozinha sendo uma obra interior e existindo declaração de técnico afirmando não afectar a estrutura do edificado, não carece de licenciamento municipal ou outro.

Já no teu caso particular, a autoria do projecto é de um técnico externo ao municipio, que aquando da sua assinatura entrega declaração confirmando que a construção respeita todas as regras expressas no RGEU (regulamento Geral da edificação e urbanização), o que parece não ter sido o caso. Tal facto não impende sobre o técnico municipal mas sim sobre o autor do mesmo, o que configura uma situação de incompetência deste ultimo e de pouca atenção de que afere outros projectos, mas de facto são colegas, e poderá ficar mal esse tipo de recomendações (ironia).

A mim já me aconteceu verificar um projecto para uma construção de uma moradia unifamiliar isolada, em que a implantação e levantamento topográfico do lote eram respeitantes a outro lote, noutro loteamento sitaudo a 40 KM de distância. E neste caso a culpa não é da CM.

Ainda assim entendo que a incompetencia de quem assina projectos e por isso recebe dinheiro, e a falta de atenção ou excesso de zelo de quem verifica andam a par.

Peço desculpa pelo extenso comentário!

7:05 da tarde  
Blogger Лев Давидович said...

Há quem diga que a burocracia não é mais que uma clausula, quase como se estivessemos a contratar com alguém.
Estamos todos carecas de saber que quanto mais simples, melhor.
Todavia, não sei se se deve culpar o Poder Local. Tudo bem, ele é rosto, mas o teu post centra-se muito na figura do dito arquitecto...Torna-se curioso ver que, até mesmo num sector prestigiado como a arquitectura, há coisas que nem vale a pena.

8:06 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu sei uma forma de desbloquear isso tudo...burocracias e poderes locais...sei sim!!! :D

Hmmmm não sei bem é que nome lhe vou dar...

Já sei!!!

«Prenda de Natal» antecipada ao Sr. Arquitecto...ou um «adiantamento» por desbloqueamento de burocracias inerente as RAM, REM, RIM,... PDM e afins...

Não sendo eu uma «pessimista» diria que o «poder» local não está aqui para beneficiar «alguém», está aqui para ser «beneficiado».

Beijos (recatados) ;)

8:50 da tarde  
Blogger João Dias said...

Talvez se fosse um empreendimento turístico de "elevado interesse público" que rasgasse ao meio área protegida não houvesse tanta burocracia...

É de facto estranho a burocracia existente para quem de facto cumpre os requisitos.

10:44 da tarde  
Blogger Out of Time said...

MSDOS
Agradeço a longaaaaaaaaaaaaaa explicação dos processos e o profundo conhecimento da burocracia do poder local. Vejo que já padece dos longos pareceres normalmente emanados de tais poderes, acontece que a habitação é legal, o problema é que à 20 anos não havia PDM e muito menos RAN portanto e como refere não fazia sentido exigir o cumprimento de uma legislação inexistente á data. Não ponho em causa os benefícios de uma REN e RAN, são documentos estruturantes do nosso território, ponho em causa a sua aplicação, o seu julgamento, e a forma atroz como atrasaram um projecto que envolvia muitos milhares de euros e esteve parada um ano pela mal-formação do poder local.

Davidovitch
Os arquitectos são, como qualquer profissão, recheados de bons e maus elementos. O que deforma a atitude deste em particular é a permissividade e um poder discricionário que vai muito além dos poderes eleitos. Este em particular é um funcionário público que abusa do poder que lhe é conferido.

10:48 da tarde  
Blogger Лев Давидович said...

Naturalmente, há bons arquitectos, mas a sugestão da "prenda" é, de facto, o ovo de colombo desta discussão. Tão óbvio...and yet ninguém se lembrou.

11:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Meu caro Out of Time
A explicação longa fica unicamente a dever-se a uma provável má intrepretação minha. Mas como foi referido, a incompetência e a falta de atenção andam de braço dado e são transversais a todos os poderes, os locais e os instalados!

Pior que a falta de informação, que é um dos principais problemas que geram a "burocracia" (as pessoas não sabem os seus direitos e com isso julgam poder desconhecer os seus deveres, curioso!) é a deformação. E olha que entre uma coisa e outra tudo está equilibrado, tal como a incompetência e a falta de atenção de quando em vez interrompida pelo presente de natal adiantado.

Enfim é o país que temos!

Uma vez mais longo...
Mas será incorrecto?

10:10 da manhã  
Blogger Out of Time said...

MSDOS
Parece que concordamos que a RAN e REN devem ser cumpridos, mas devem ser antes de mais documentos reguladores e normalmente são entendidos como documentos limitadores.
Como qualquer cidadão quero serviços eficazes e acho que previligiamos demais a efeciencia em detrimento da eficácia.

MW
Dado os conhecimentos que tens do poder local, acho que podias fazer umas centenas de textos bem demonstrativos do que disseste. Aqui fica o desafio.

2:30 da tarde  
Blogger Teresa Durães said...

Câmaras... hum... nem comento...

11:51 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Out of Time, meu caro, deixa-me apenas perceber onde começa o conceito de documento regulador/orientador e um documento limitador?

Provavelmente na leitura que fazemos dele.

É pois aí - na leitura - que fazemos de um documento e que naturalmente varia consoante o leitor, que está todo o busílis da questão. A perspectiva, sendo algo relativo, funciona em determinados casos como motivo recorrente para explicar o inexplicavel. Determinados documentos ditos reguladores, devem em alguns casos ser limitadores, isto a bem das gerações vindouras. No entanto devemos preparar melhor os documentos, isentá-los do factor interpretativo dúbio, ao mesmo tempo que preparamos melhor quem os deve fazer aplicar, e naturalmente educar os cidadãos para as boas práticas de cidadania, que passam por exemplo por saber quem, quando, como e onde devem consultar as informações que podem determinar um investimento que para alguns é de toda uma vida e para outros de uma mais valia real e enorme... e essa fronteira, tal como outras é ténue!

6:53 da tarde  
Blogger Out of Time said...

MSDOS
Acho que tem imensa razão, a cidadania deve ser incentivada a ser prestada com a elaboração de documentos que são moldados á vontade do clientelismo local.
Não seja ingenuo ou fazer dos outros ingenuos, qualquer política neste país serve para defender os interesses de quem o elabora e não o país em si.
O poder local, aliás tal como o poder de uma forma geral, vive de uma mediocridade gritante, basta ver a quantidade de governantes que sendo delinquentes no sentido literal do termo, continuam a ser eleitos sucessivamente apoiados pelos mais diversos partidos politicos. Temos uma Autarca que ainda só não foi apoiada pelo PCP e pelo BE e continua a ser eleita impunemente. As acusações são da mais absoluta promiscuidade entre o poder e os sectores da construção civil passando pelo futebol como "maquina de lavar". Estamos aqui a ser ingenuos ou a fazer dos outros parvos? Alguem se preocupa com a REN ou RAN quando anuncia a refinaria de Sines? O governo só teve de arrepiar caminho porque Bruxelas lembrou Quioto. Temos o governo mais sinuoso que me lembro onde até Bagão Felix pareceria de esquerda se fizesse parte dele.
Ou estamos a falar de Rans e do Tino?

12:08 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Meu Caro. Out of Time

Naturalmente que não estamos a falar de Rans ou da trágica figura do Tino, penso eu!
Estamos a falar de poder local, e afastámo-nos um pouco para falar de documentos "estruturantes" segundo a suas palavras com as quais concordo integralmente, devo acrescentar, como a Carta nacional da RAN ou REN.

Também em nenhum dos meus comentários ficou implícito ou explicito uma vontade de "fazer dos outros parvos ou ingénuos" pelo contrário tentou-se enquadrar dois dos problemas apresentados, do ponto de vista técnico, e se bem se recorda apontaram-se soluções para os mesmos, ao mesmo tempo que se apontaram as incorrecções destes, por aquilo que era descrito.

De política quero perceber pouco, ainda que a considere um mal necessário, mas da esquerda à direita, passando pelo centro em Portugal existe uma grande falta de coragem, e insiste-se em procurar as soluções no meio dos problemas.

Ainda assim, dou por concluídos os meus comentários a este post, não porque o tema esteja esgotado, ou a discussão sem interesse, mas definitivamente não me apetece falar de Rans, ou da trágica figura do Tino.

9:05 da manhã  

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